Ao longo dos séculos, e especialmente em
nossa geração tem havido grande controvérsia referente ao conceito de
prosperidade do viver cristão. Alguns teólogos ultra-ortodoxos e conservadores
sustentam a tese de que o cristão está condicionado a viver o mesmo tipo de
sujeição à escassez, opressões e calamidades da humanidade sem Deus. Em
contrapartida, há os que crêem que baseados em princípios bíblicos e fidelidade
à Deus, o cristão pode e deve viver em um nível diferenciado de abundância,
liberdade e prosperidade. Certamente há extremos nestas duas vertentes
teológicas, um extremo derrotista e um extremo triunfalista.
O equilíbrio e a verdade residem na
busca do propósito original de Deus para a existência humana. Descobrir o que
Deus espera que sejamos Nele, por Ele, e através Dele aqui na Terra. Para isso
necessitamos que “o Deus de nosso Senhor
Jesus Cristo, o Pai da glória, vos dê em seu conhecimento o espírito de
sabedoria e de revelação, tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para
que saibais qual seja a esperança da sua vocação e quais as riquezas da glória
da sua herança nos santos e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre
nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder...” (Efésios 1:17-19). Jesus Cristo é o
nosso Rei, por isso, Ele é chamado Rei dos reis. Assim, surge a indagação:
Quando reinaremos? Num suposto “reinado milenar do porvir”? Quando Cristo vier
fisicamente? Ou este reinado seria para agora? É disto que trata o Evangelho do
Reino: De uma nova espécie recriada em Cristo para reinar em vida por Ele.
À SEMELHANÇA DE DEUS
PARA GOVERNAR
A maior obra de Deus foi ter criado um
ser semelhante a si próprio para executar uma tarefa real e exercer uma função
real que somente Ele mesmo, com toda sua glória divina poderia fazê-lo. Deus
não desejava deixar o céu, mas fazer da Terra uma extensão exata do céu. Como
um grande rei que desejando dar a seu filho um reinado, o envia para uma
colônia para reinar. Devemos nos lembrar que “os céus são céus do Senhor; mas a terra, deu-a ele aos filhos dos
homens.” (Salmo 115:16).
Príncipes só se tornam reis de duas maneiras: ou quando seu pai, o rei morre,
ou quando seu pai, o rei o envia para reinar em uma extensão (colônia) do
reino. Como Deus não pode morrer e deseja que seus filhos reinem, Ele os enviou
à Terra. E a única coisa que nos propicia reinar aqui na Terra, é a restauração
da nossa natureza divina (I Pedro 1:4).
Eis como Deus projetou o nosso reinado: “E
disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e
domine...” (Gênesis 1:26a). A
forma e o propósito de Deus na criação do homem revelam o Seu plano original e
imutável. Gênesis é a narrativa de como Deus espera que tudo seja; é a
expressão clara e exata de como Deus quer que o universo funcione em relação ao
ser humano, para o qual tudo converge por Cristo. Dominamos (hb. “hada” = reino, soberania, governo.)
porque somos feitos à imagem do Grande Dominador; reinamos porque somos feitos
à imagem do Grande Rei. Mas eis aqui o nível deste domínio: Deus não criou
homens para dominar sobre homens, e sim sobre o cosmos. “...domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o
gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se mova sobre a terra.”
(v. 26b). Adão tinha domínio sobre
sua “área cosmológica”, agora, com alguns bilhões de “Adãos” a mais no planeta,
precisamos descobrir e governar sobre nosso domínio pessoal. Tudo isso porque
somos como Deus em natureza. “Eu disse:
Vós sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altíssimo.” (Salmo 82:6). “Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois
deuses? Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi
dirigida (e a Escritura não pode ser anulada).” (João 10:34-35).
CRIADOS PARA
FRUTIFICAÇÃO
Após criar o homem a narrativa do
Gênesis (1:28) expressa: “E Deus os abençoou e Deus lhes disse:
Frutificai...” É fato, a perfeita vontade de Deus é que o homem criado à
sua imagem e conforme a sua semelhança seja sempre um SER FRUTÍFERO (João 15:8). Note que o homem é, em
primeira análise, o elemento passivo desta frutificação, pois ele é o “solo” no
qual o Criador deposita suas melhores sementes, ou seja, Deus semeou na
natureza do homem o dom da fertilidade em todos os aspectos. A semente semeada
por Deus no homem é a sua Palavra, e é esta palavra que faz germinar e
frutificar o caráter de Deus no homem. Este é o segredo no Novo Nascimento, “Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela
palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas.” (Tiago 1:18). Assim como fomos
naturalmente gerados do sêmen masculino introjetado no óvulo feminino, somos
agora, em Cristo, espiritualmente de
novo gerados da semente da Palavra de Deus introjetada no coração
humano (I Pedro 1:23). O apóstolo
Paulo preocupado com o nível de maturidade espiritual da liderança episcopal da
Igreja de Éfeso, exortou o jovem pastor Timóteo na seleção dos obreiros: “não neófito, para que, ensoberbecendo-se,
não caia na condenação do diabo.” (I
Timóteo 3:6). A palavra neófito (Gr. neophutos; neo=novo
e phutos=plantado)
significa literalmente: “recentemente
plantado”, ou seja, aquele que ainda não frutificou, ou que não manifestou
frutos. O processo espiritual de frutificação é obra do Espírito Santo no homem
recriado. É o fruto do Espírito brotando de uma vida regenerada e semelhante a
Jesus Cristo (Gálatas 5:22). Nosso
estado recriado de frutificação espiritual é um ato da escolha soberana de
Deus, e condiciona o relacionamento de doação Dele para conosco (João 15:16). É paradoxal que um cristão
que se diz “nascido de novo” não desenvolva uma vida santificada e separada do
pecado, pois “...agora, libertados do
pecado e feitos servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação, e por
fim a vida eterna.” (Romanos 6:22).
A frutificação é um processo constante e abundante na vida dos filhos do Reino,
que, quando paralisado pelo pecado deve ser desobstruído pelo castigo e a
correção divina (Hebreus 12:11).
CRIADOS PARA
MULTIPLICAÇÃO
Pode-se dizer que a frutificação é um
processo de aperfeiçoamento da espécie criada por Deus, já a multiplicação é o
processo de reprodução dessa espécie. “E
Deus os abençoou e Deus lhes disse: ...multiplica-vos, e enchei a terra, e
sujeitai-a...” (Gênesis 1:28).
De fato, à princípio a ordem de Deus de MULTIPLICAR foi literal, pois Deus
esperava realmente que houvesse muitos daquele espécime humano perfeito criado
à sua imagem para sujeitar a terra; Deus, porém, não desejava que a espécie
caída e pecaminosa crescesse, pois esta “espécie adâmica” se tornaria uma praga
(Gênesis 6:1-7). Agora com uma terra
hiper populosa, Deus não espera que cada velho homem encha a terra de filhos
biológicos com a natureza contaminada pelo Pecado, mas sim, que cada novo homem
com a natureza de Deus (II Coríntios
5:17; Efésios 2:14-15) encha a terra de filhos espirituais à imagem de
Cristo (Marcos 16:15; Gálatas 4:19).
Esta é a verdadeira essência do discipulado cristão: o cumprimento da comissão
divina original de crescer e multiplicar. Discipular é reproduzir a Espécie
Real, aumentando a Família Real de Deus, É “fazer” novas criaturas. “...ide, fazei ‘novas criaturas à imagem
do Último Adão’ de todas as nações...” (Mateus 28:19). Assim, Jesus assevera que qualquer que não se
identificar com sua vida, morte e ressurreição, não pode ser à sua imagem (Lucas 14:26). O pacto abraâmico
torna-se agora revelado no aumento de filhos espirituais gerados pela promessa
de Deus a Abraão, “...pois, os que são da
fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de
justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo:
Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são
benditos com o crente Abraão.” (Gálatas
3:7-9). A promessa à Abraão era: “...Certamente,
abençoando, te abençoarei e, multiplicando, te multiplicarei.” (Hebreus 6:13-14; Gênesis 12:1-3). Os
judeus sempre acreditaram que este pacto somente dizia respeito a eles como
nação, porém, em Cristo, esta promessa se estende a todas as etnias formadas
por novas criaturas da espécie do Último Adão, Jesus Cristo. O poderoso fluxo
de crescimento da Igreja Primitiva, que será superado pela Igreja dos tempos do
fim, consistia na multiplicação da semente (Atos 12:24) para a conseqüente multiplicação da Nova Espécie recriada.
“de sorte que as igrejas eram confirmadas
na fé e cada dia cresciam em número” (Atos
16:5). Podemos contar neste tempo do fim, com a maior semeadura e colheita
do Evangelho do Reino em todas as épocas (Mateus
24:14). Sim, a iniqüidade se multiplicará (Mateus 24:12), mas os filhos do Reino se multiplicarão ainda mais,
como o fermento (Lucas 13:20-21).
ESTE REINADO É PARA
ESTA VIDA
É de fato uma atitude mental deplorável
esperar em Cristo somente para esta vida (I
Coríntios 15:19), mas, não há suficiente respaldo bíblico para crermos as
promessas divinas de frutificação, multiplicação e Reino, são para a “vida após
a morte”. É evidente que o ápice do Reino de Deus na Terra dar-se-á por ocasião
de seu Retorno, “Depois, virá o fim,
quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo
império e toda potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a
todos os inimigos debaixo de seus pés.” (I Coríntios 15:24-25). O Novo Nascimento (João 3:3) é o começo da vida eterna, é a fonte que jorra para a
vida eterna (João 4:14), porém, os
poderosos rios do Espírito Santo fluem em nosso ventre em nossa vida terrena (João 7:38-39), e estes rios são o
suprimento divino para, como frutificadores e multiplicadores, sujeitemos a terra
e a dominemos como é a vontade original de Deus (Gênesis 1:28). Nosso maior grau de governo é sobre nosso DOMÍNIO
PESSOAL, ou seja, à nós mesmos, e as coisas e situações que dizem respeito à
nossa realidade. Isto não significa um triunfalismo antropocêntrico, mas em
primeira instância um domínio sobre si mesmo (Provérbios 16:32), ou seja, reinar sobre todo sentimento nocivo
comum ao velho homem caído, assim o fruto do Espírito (Gálatas 5:22) é o governo sobre as obras da carne que nos excluem do
Reino de Deus (Gálatas 5:19-21); e
sobre sua casa constituída (I Timóteo
3:4). Exercemos também nesta vida, o governo sobre os apelos do sistema
mundial corrompido (I João 5:4), o
pecado (I João 3:8-9), e as trevas (Lucas 10:19). Não se prive da graça de
Deus (Hebreus 12:15), mesmo em meio
às aflições que serão inevitáveis nesta vida (João 16:33), é nesta vida que os filhos de Deus reinarão e farão
proezas em Deus (Salmo 60:12), o
Reino é agora. “Porque, se, pela ofensa
de um só, a morte reinou por esse, muito mais os que recebem a abundância da
graça e o dom da justiça reinarão em
vida por um só, Jesus Cristo.” (Romanos 5:17).
Conclusão
Os extremos da teologia triunfalista têm
se mostrado danosos para a Igreja de Cristo, retardando seu amadurecimento em
amor e piedade com contentamento. Porém, este contentamento bíblico não deve
ser visto como um conformismo derrotista, pois os elementos do Reino de Deus
gerados na redenção são poderosos para suprir abundantemente cada área de
nossas vidas em Cristo. Este é um tempo maravilhoso de revelação espiritual
para a Igreja do Senhor; as Escrituras se tornarão cada vez mais vivas sem
destruir o aspecto sadio da ortodoxia teológica. Nós somos “...a geração eleita, o sacerdócio real, a
nação santa, o povo adquirido, para anunciar as virtudes daquele que nos chamou
das trevas para a sua maravilhosa luz.” (I Pedro 2:9).
Enéas Ribeiro
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